A equipe de transição para o novo governo federal não tem mais espaço nem tempo para vacilar na articulação política. O financiamento das promessas de campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está em risco após três semanas de trabalho sem avanços na tramitação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que garanta ao futuro governo dinheiro para custear o Bolsa Família de R$ 600, reajustar o salário mínimo e investir em obras de infraestrutura.
Após uma série de adiamentos impostos pela falta de acordo, a PEC da Transição precisa ser apresentada nesta semana para ter tempo hábil de tramitar em dois turnos no Senado e na Câmara. Se houver consenso, o Congresso já mostrou, em outros momentos, que consegue tramitar uma PEC em poucos dias, mas a equipe de Lula terminou a última semana longe de ter um plano que seja aceito pela maioria dos atuais congressistas e chega aos últimos dias de novembro emparedada pela necessidade de assegurar ao menos a manutenção do principal programa de transferência de renda do país em R$ 600 para as famílias beneficiadas.
Aliados e opositores avaliam que a equipe de Lula pecou por falta de habilidade política e, sobretudo, por uma ingenuidade que não cabe a políticos acostumados a ser tanto governo quanto oposição. Os lulistas acreditaram na possibilidade de fazer com que o Congresso atual – amplamente bolsonarista nos últimos dois anos – excluísse do teto de gastos, indefinidamente, as verbas para bancar não só o Bolsa Família, mas também outros programas sociais.
Pressão
Os congressistas, incluindo os alinhados ao PT, negaram-se a conceder esse “cheque em branco”; agora, o futuro governo, cada vez mais pressionado, pode ser obrigado a começar sem verba para quase nada. A situação estressa os lulistas e provoca o início de uma caça às bruxas, pois as divergências já começaram a vir a público.
Na última semana, o senador Jaques Wagner (PT-BA), um dos agentes políticos da transição, disse a jornalistas que “falta um ministro da Fazenda” para destravar as negociações. Horas depois, a presidente nacional do partido, deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), discordou e afirmou à imprensa que “a articulação política se dá no Congresso, independe de quem é ministro” e que “falta articulação no Senado”.
Ausência
Distante da transição, o presidente eleito também é apontado como um dos culpados por essa primeira crise. Inicialmente festejada, a ida de Lula ao Egito para a Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP-27) tornou-se um problema, porque os líderes partidários começaram a reclamar da ausência, nas negociações, de um nome que pudesse fornecer garantias políticas que facilitassem um acordo. O problema foi agravado porque Lula passou por uma cirurgia na garganta ao voltar ao Brasil, o que implicou mais uma semana longe de Brasília.
O presidente eleito agora deverá permanecer durante toda a semana na capital, onde poderá liderar as discussões, adiantar o anúncio de nomes da equipe econômica do futuro governo e apressar acordos sobre o espaço que os aliados terão na nova administração. Apesar de ter iniciado cedo a negociação com partidos como MDB e União Brasil, o governo Lula ainda não tem maioria no novo Congresso e, a cada dia que passa, terá de lidar com um preço mais caro para contar com apoios.
Interessa aos parlamentares que tendem a aderir ao novo governo emparedar mais ainda a transição, como forma de garantir benesses. No ditado popular que faz muito sucesso na política, o plano é “criar dificuldades para vender facilidades”.
O que cada lado quer
A equipe de transição de Lula pleiteia no Congresso um espaço fiscal de quase R$ 200 bilhões anuais fora do teto de gastos por ao menos quatro anos (o tempo do mandato) para cobrir o Bolsa Família e outros programas sociais.
Já os parlamentares dos partidos que podem compor a base do futuro governo tentam assegurar: a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara (o que já parece decidido); o compromisso da divisão de ministérios, presidências de órgãos públicos e cargos; e a manutenção de algum formato das chamadas emendas de relator, o orçamento secreto.
Embora estejam em posição vantajosa no momento, porém, os parlamentares precisam encontrar um tom que não emparede os lulistas totalmente, porque eles já trabalham com planos para garantir financiamento sem aprovar a PEC.
MP
Para gastar sem precisar da autorização do Congresso, os lulistas estudam combinar uma solução que vem do Judiciário e uma arma exclusiva do Executivo: a medida provisória (MP). Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo federal implemente, a partir de 2022, o pagamento de uma renda básica de cidadania para os brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza. Até agora, o Auxílio Brasil cumpre essa decisão, mas a redução do montante pago traria insegurança alimentar para os beneficiários.
O governo Lula, então, poderia editar uma MP, no primeiro dia de janeiro, com a justificativa de cumprir a decisão judicial. O Congresso teria de votar a MP nos meses seguintes, mas uma eventual rejeição responsabilizaria os parlamentares por tirar renda dos mais pobres.
Para Lula, porém, essa solução está longe do ideal, pois geraria um atrito com o Legislativo logo no início de seu governo, e a articulação lhe custaria mais ainda.
Presente em Brasília nesta semana, o presidente eleito tem a atribuição de corrigir os erros políticos cometidos até agora e salvar um governo que ainda nem começou.
Metrópoles
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