Foto: Andréia Bohner
Órgão administrativo e de fiscalização, o Conselho da Justiça Federal (CJF) restabeleceu para magistrados desse ramo do Poder Judiciário um benefício salarial extinto há 16 anos. Conhecido como quinquênio, o aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos voltará a cair nos contracheques de quem ingressou na carreira federal até 2006. A medida prevê ainda o pagamento retroativo do penduricalho com correção pela inflação.
O conselho afirma não ter a estimativa do impacto financeiro da decisão tomada no dia 16 deste mês. São contemplados apenas integrantes da Justiça Federal – Ministério Público, Justiça do Trabalho e Justiças Estaduais não respondem ao órgão. Segundo projeção do consultor legislativo do Senado Luiz Alberto dos Santos, feita a pedido do Estadão, um juiz empossado em 1995, por exemplo, poderá receber R$ 2 milhões em atrasados.
O adicional por tempo de serviço (ATS) e uma série de vantagens que ficavam de fora do teto foram eliminados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão de controle de todo o Judiciário. Na época, o vencimento da magistratura fora limitado a R$ 21 mil, equivalentes ao que recebiam os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, o teto é de R$ 39,3 mil, e, se aprovado no Congresso o reajuste de 18% pedido pela Corte, chegará a R$ 46,3 mil.
Em maio deste ano, o Senado retomou o debate para ressuscitar o ATS acima do teto nas folhas de pagamento de juízes e também procuradores. Foi uma nota técnica de Santos que alertou os impactos da proposta de emenda à Constituição (PEC) que recria o benefício de forma mais abrangente – R$ 7,5 bilhões anuais. Deixado de lado na via legislativa, o adicional agora volta para parte da magistratura federal pela via administrativa.
O CJF atendeu a um pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A entidade argumenta que o adicional não podia ter sido cancelado para juízes que tivessem o alegado direito adquirido antes da decisão do CNJ. A entidade usou como base precedente do STF que beneficiou servidores e considerou que o bônus deveria continuar a valer para aqueles que já o recebiam.
Responsável por julgar a demanda, o CJF é um colegiado formado em parte por integrantes da própria Justiça Federal. Compõem o órgão ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desembargadores federais.
Relatora do caso e presidente do STJ e do CJF, Maria Thereza de Assis Moura votou contra o pedido. Segundo a ministra, no processo citado como precedente “o autor era um servidor estadual aposentado que não recebia seu benefício pelo regime de subsídio”, que, adotado na magistratura, prevê pagamento em parcela única, sem gratificações e adicionais.
A presidente do Tribunal Regional Federal da 6.ª Região (TRF-6), Mônica Sifuentes, por sua vez, abriu divergência. A desembargadora afirmou que a implementação do regime de subsídio não devia eliminar o adicional, apontado por ela como um dos “direitos adquiridos e atos jurídicos formal e materialmente” vigentes desde o modelo anterior.
Não raro (as entidades de magistrados) obtêm decisões favoráveis ao reconhecimento do pagamento de indenizações (nos conselhos). Ou seja, reconhecem a si mesmos um direito e a forma de satisfazê-lo. (Rafael Viegas, pesquisador do sistema de Justiça na Fundação Getulio Vargas (FGV)).
A tese de Sifuentes venceu por sete a quatro. Conforme a decisão, ficou estabelecida a “reintrodução” do adicional à “folha de pagamento, em parcela separada, sujeita à correção pelos mesmos índices de reajuste do subsídio, e o pagamento, respeitando o teto remuneratório do serviço público”. Em uma nota distribuída aos magistrados logo após o fim da sessão no conselho, a entidade autora do pedido afirma que o caso é uma “vitória histórica da Ajufe e da magistratura federal”.
Benefícios concedidos por vias administrativas são alvo de críticas. Como mostrou o Estadão em abril, as associações recorrem aos órgãos de controle para obter vantagens financeiras. Pesquisador do sistema de Justiça na Fundação Getulio Vargas (FGV), Rafael Viegas afirmou que as entidades atuam em uma “zona cinzenta, que não separa o interesse público – o Estado – do que é o interesse privado – seus associados”.
Segundo Viegas, quando o lobby das entidades não dá certo no Congresso, elas provocam os conselhos ou a própria Justiça, “uma estrutura” que tentam “controlar por meio de sua composição”. “Não raro (as entidades) obtêm decisões favoráveis ao reconhecimento do pagamento de indenizações. Ou seja, reconhecem a si mesmos um direito e a forma de satisfazê-lo”, disse.
Na forma como a decisão foi proferida, eu a vejo como ilícita. Tem caráter meramente administrativo. E ela tende a ser estendida aos magistrados do trabalho, pelo órgão equivalente da Justiça do Trabalho. (Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo do Senado)
Ao Estadão, o CJF afirma, em nota, que “não haverá efeito econômico nos meses em que o magistrado estiver acumulando acervo”. A medida, porém, abre precedente. “Na forma como a decisão foi proferida, eu a vejo como ilícita. Tem caráter meramente administrativo. E ela tende a ser estendida aos magistrados do trabalho, pelo órgão equivalente da Justiça do Trabalho (o Conselho Superior da Justiça do Trabalho)”, disse Santos, consultor legislativo do Senado.
Em nota, a Ajufe afirma que o pedido “teve por base o entendimento do STF de que todos os juízes brasileiros devem ter igual tratamento”. “Por esse entendimento, ficam assegurados aos juízes federais todos os direitos garantidos aos magistrados da Justiça Estadual, assim como o contrário”, diz a associação.
Por esse entendimento (de tratamento igualitário entre os magistrados brasileiros), ficam assegurados aos juízes federais todos os direitos garantidos aos magistrados da Justiça Estadual, assim como o contrário.
A Ajufe afirma que qualquer vencimento na magistratura se limita ao teto. “Ademais, os valores devidos aos beneficiários estarão sujeitos a todos os tributos devidos, especialmente contribuição para a Previdência e Imposto de Renda.”
O Adicional por Tempo de Serviço (ATS) corresponde a um reajuste de 5% a cada cinco anos.
-Em 2006, o ATS foi extinto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
-Em 2013, o então senador Gim Argello (à época no PTB-DF) apresentou PEC que prevê a volta do ATS, sem respeito ao teto;
-Em 2022, a PEC entrou na pauta do Senado, mas não foi votada;
-Estudo da Consultoria Legislativa do Senado mostra que o impacto da PEC seria de R$ 7,5 bilhões por ano;
-Sem sucesso no Congresso, juízes federais conseguiram uma decisão administrativa via Conselho da Justiça Federal (CJF);
-A decisão atende a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), beneficia quem estava na carreira desde antes de 2006 e prevê respeito ao teto;
-Nem o CJF nem a Ajufe sabem especificar o impacto orçamentário da medida.
Estadão
Foto: Andréia Bohner
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