As três primeiras condenações de réus envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, ocorridos em 8 de janeiro, levantaram uma discussão jurídica sobre a interpretação de dois artigos do Código Penal que envolvem diretamente as tentativas de abolição violenta do estado democrático de Direito e de golpe de estado.
Nos julgamentos das ações penais desta semana, prevaleceu a visão do relator dos processos no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Alexandre de Moraes, de que esses dois crimes podem ser punidos concomitantemente. Ele foi acompanhado por outros seis integrantes da Corte.
Os réus Aécio Lúcio Costa Pereira e Matheus Lima de Carvalho Lázaro foram condenados a uma pena de 17 anos por cinco crimes, sendo as mais graves a de 5 anos e 6 meses de prisão por abolição violenta do Estado Democrático de Direito e 6 anos e 6 meses de reclusão por golpe de estado.
Outro condenado, Thiago de Assis Mathar, teve pena menos dura: 4 anos e 6 meses e 5 anos, respectivamente, numa pena total de 14 anos, quando somados os outros três crimes.
Outros dois ministros, André Mendonça e Luís Roberto Barroso, argumentaram que havia dupla punição aos réus se fossem aplicados os artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de estado), ainda que cada um a seu modo.
Ambos aplicaram o princípio da consunção, ou absorção, pelo qual um crime “absorve” o outro e o réu só poderia ser condenado por uma das tipificações.
Mendonça condenou o primeiro réu por abolição violenta do estado democrático, mas absolveu por golpe de estado, por pensar que “não caberia a condenação dupla (bis in idem)”.
Barroso também entendeu que aplicar os dois artigos configuraria o conceito em latim evocado pelo colega, mas avaliou que “os fatos se amoldem mais especificamente ao disposto no artigo 359-M do Código Penal (Golpe de Estado), como uma tentativa de deposição do governo legitimamente constituído”, deixando de enquadrar o réu no outro crime.
Juristas ouvidos sob reserva pela CNN consideram pertinente essa argumentação, ainda que tenha prevalecido no plenário a visão de que poderiam ser aplicados os dois artigos, incluídos no Código Penal pelo Congresso em 2021, diante da escala das tensões institucionais, principalmente entre o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o STF.
Ao discutirem durante o julgamento do primeiro réu, Moraes e Mendonça lembraram que se trata de uma lei recente. Antes do 8 de janeiro, apenas o ex-deputado Daniel Silveira havia sido condenado com base na chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, pelo artigo 359-L do Código Penal (tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais).
CNN Brasil