Foto: Antonio Araújo / Câmara dos Deputados
Em alegações finais, o Ministério Público Federal (MPF) reforçou o pedido de condenação do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho, pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira.
A denúncia é relacionada à suposta atuação ilegal de ambos em desvios que geraram benefícios de até R$ 8,1 bilhões em favor da empresa JBS, para apoio na aquisição de grupos internacionais. As operações irregulares teriam ocorrido entre junho de 2007 e dezembro de 2009, segundo a denúncia do MPF.
As alegações finais — última manifestação antes da sentença — foram protocoladas na última terça-feira (22/11), após o ex-ministro anunciar que deixaria o cargo na equipe de transição do governo Lula (PT), e tornadas públicas nessa segunda-feira (28).
Na peça, à qual o Metrópoles teve acesso, o MPF solicita, caso o pedido de condenação seja atendido, a perda de função pública ou mandato eletivo e a devolução de R$ 3,7 bilhões aos cofres do banco público.
“Em caso de condenação, requer, desde já, a decretação da perda da função pública para os condenados que ocupem cargo ou emprego público ou mandato eletivo, nos termos do art. 92 do Código Penal, bem como reitera-se o pedido de arbitramento do dano mínimo, a ser revertido em favor do BNDES/BNDESPar, no montante de R$ 3.724.671.866,22, correspondentes ao dobro dos danos causados pela organização criminosa, em consonância com o artigo 387, inciso IV, CPP.”
A peça também pede a condenação do filho do ex-ministro, Leonardo Mantega, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os mesmos crimes pesavam originalmente sobre Guido e Luciano — porém, ambos se livraram dessa parte do processo por incidência de prescrição quando completaram 70 anos.
Conteúdo da manifestação
O documento reproduz uma série de e-mails, já apresentados na denúncia, que reforçariam a tese de acusação contra o ex-ministro e do ex-presidente do BNDES. O conteúdo das mensagens é cruzado com delações premiadas, como as de Antonio Palocci e Joesley Batista, bem como quebras de sigilo.
“No caso em tela, está demonstrada a ocorrência de crime continuado, uma vez que Leonardo Villaça Mantega, no período de 3 de agosto de 2002 a setembro de 2014 recebeu valores mensais, 25 meses, com base em contrato fictício de prestação de serviços e, consequentemente, com o fim de dissimular a origem da movimentação financeira, de forma continuada no que tange à regularidade, modus operandi, vítima, entre outas condições”, argumenta o MPF.
Os desembargadores que assinam a peça sustentam que “percebeu-se que a operação de apoio para a aquisição da Pilgrim’s Pride Corporation não havia sido um ato isolado”, uma vez que o Sistema BNDES também teria participado “dos principais movimentos de internacionalização da JBS S/A, inicialmente, apoiando a compra da Swift Argentina, via financiamento”.
A peça também cita como exemplos os movimentos de expansão da companhia nos EUA e Austrália, via BNDESPar, por meio de aportes de capital na aquisição da SWIFT CO. (2007) e na aquisição da Smithfield Beef, Five Rivers e Tasman Group (2008), motivo pelo qual “o sigilo referente a essas operações também foi afastado por decisão judicial (fls. 630/632 do Apenso I)”.
Por fim, o MPF destaca “os expedientes utilizados pela gestão do banco público para manutenção em sigilo das operações fraudulentas, recusando-se, inclusive, a prestar informações sobre a sua ocorrência a autoridades públicas, tal como o TCU” e citam a famosa caixa-preta do BNDES.
Entenda o caso
O juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, aceitou em maio de 2019 a denúncia do MPF contra Mantega e Coutinho, no âmbito da Operação Bullish.
Guido Mantega presidiu o BNDES de novembro de 2004 a março de 2006, e Luciano Coutinho ocupou a função de maio de 2007 a janeiro de 2010, nos governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
O caso envolvendo a atuação de Mantega no BNDES começou na Lava Jato no Paraná. Depois, o STF o transferiu para a Justiça Federal em Brasília, retrocedendo o processo à fase da denúncia. Durante a tramitação, o ex-ministro completou 70 anos, o que possibilitou a prescrição nos casos de corrupção e lavagem de dinheiro — como ocorreu com Lula.
O MPF concluiu que a JBS teve acesso a aportes financeiros do BNDES a partir de operações “sobreavaliadas e prejudiciais ao banco”. O esquema era operado por meio de intermediários que ligavam empresários a agentes políticos que intervinham nas decisões da instituição bancária.
“Nesse sentido, especificamente, Joesley Batista teria se valido dos empréstimos de Victor Sandri para contatar Guido Mantega, então presidente do BNDES e, posteriormente, Ministro da Fazenda, a quem corrompeu. Guido Mantega influenciou Luciano Coutinho, seu sucessor na presidência do BNDES, a realizar as operações favoráveis à empresa JBS”, diz a decisão do juiz Marcus Vinícius Reis Bastos.
A denúncia aceita pela Justiça afirma que Leonardo Mantega recebeu da JBS mais de R$ 404 mil em parcelas mensais, sem prestar nenhum serviço, e outros U$ 5 milhões em investimento numa loja de material esportivo. Os repasses foram identificados pelo Ministério Público como propina destinada a Guido Mantega, seu pai.
Coutinho, enquanto presidente do banco, deu continuidade ao esquema. “Por isso, Luciano teria gerido fraudulentamente o BNDES a pedido de Guido Mantega”, diz outro trecho do documento.
Antonio Palocci teria recebido R$ 2,1 milhões de Joesley Batista para interferir nas operações econômicas já referidas. O valor teria sido encoberto por contrato simulado de prestação de serviço de assessoria.
Posteriormente, Batista e quatro ex-funcionários do BNDES foram absolvidos por crimes investigados pela Operação Bullish.
Metrópoles